Vamos falar agora de globalização. Globalização é provavelmente uma das principais transformações da nossa ordem mundial. É um novo tipo de ordem que estamos conhecendo nesse processo, que é novo que está questionando conceitos, que foi cunhado para explicar as relações internacionais. Eu começaria dizendo que a globalização resulta de uma série de paradoxos que estão desafiando nossa visão conceitual da arena internacional. Primeiro, primeiro paradoxo: contradição entre poder e integração. Poder é a pedra fundamental da ordem internacional tradicional, ao passo que integração é consequencia principal de uma ordem global que é cada vez mais interligada e interdependente. Como combinar poder e interdependência? Como combinar poder e integração? Segundo paradoxo: entre poder e impotência. A globalização está provendo novos recursos de poder e os detentores de poder têm a sensação, a intuição de que a globalização é capaz de trazer-lhes novos meios, novos instrumentos para a dominação do mundo. Mas ao mesmo tempo a interdependência está contradizendo o poder. E nós podemos observar que na ordem mundial atual a potência é cada vez menos poderosa e o poder está falhando em vários tipos de tensões e conflitos com os quais estamos nos deparando agora, e especialmente no Oriente Médio e na África. Terceira contradição: a contradição entre coexistência e interdependência. Interdependência é o princípio primordial da ordem global enquando coexistência vem da visão tradicional de soberania. Como combiná-los? Quarta contradição, quarto paradoxo: entre mercado e inclusão. Globalização é apresentada muitas vezes como uma realização, como uma realização do mercado, de uma espécie de mercado mundial, mas isso não é totalmente verdade. Mercado, livre comércio e livrecambismo são apenas uma dimensão da globalização. Enquanto nós temos de ter em conta a outra dimensão que está ligada ao este processo de integração e inclusão. Quinto paradoxo: entre ordem global e ordem fragmentada. Será um grande erro considerar que globalização resulta de um tipo de unificação do mundo. Globalização também está acelerando um tipo de fragmentação, novos particularismos, que devemos levar em consideração. E o resultado é que estamos em uma ordem global mas também local, quer dizer, uma espécie de “glocalização” como eu havia dito. Agora a questão real, o que está em jogo, é: como definir a globalização? E o problema de definição provavelmente não é resolvido de fato, é muito difícil dar agora uma definição consensual da globalização. Eu diria que essa disputa está trazendo luz a algumas ambiguidades da globalização. A globalização não significa internacionalização, internacionalização implica as relações entre os Estados-nação, a globalização não está limitada às relações entre Estados-nação mas está incluindo muitos outros atores como já mencionamos. A globalização não significa liberalização. Isso quer dizer que a globalização pode implicar o desenvolvimento de um mercado livre mas a globalização também está colocando à luz do dia a necessidade de uma integração social que é diferente da visão liberal e da visão da ordem global de livre mercado. Globalização não significa universalização uma vez que a globalização está desencadeando novos particularismos que são cada vez mais visíveis, e especialmente quando alguns problemas, algumas tensões, alguns conflitos ocorrem. E a globalização não significa ocidentalização. Muitas pessoas no mundo ocidental consideram que a globalização seria o fim da história, quer dizer, que ela resultaria no sucesso e na vitória de uma visão ocidental da ordem mundial. Vemos agora que a globalização ao contrário, está resultando no desenvolvimento e no fortalecimento de novas culturas, e de culturas concorrentes: culturas africanas, culturas árabes, culturas chinesas. Estamos em um mundo que não pode ser considerado o resultado de uma unificação cultural. Então, como definir? Eu diria, em primeiro lugar, que a globalização implica três sintomas. E gostaria de abordar a globalização através desses três sintomas. A primeira é a inclusão. Pela primeira vez na história mundo estamos todos no mesmo barco, isso quer dizer, a humanidade está inteiramente incluída na mesma arena, está jogando em uma arena única e isso é realmente novo; este é realmente um novo aspecto da ordem mundial que nós não nos encontramos nas etapas precedentes da história humana. E isso é significativo se estamos em um mundo inclusivo, não há centro, não há qualquer possibilidade de conceber um centro e até mesmo um hegemon neste novo mundo global. O segundo sintoma da globalização pode ser encontrado na mobilidade. Estamos em um mundo de comunicação, estamos em um mundo de transporte, estamos em um mundo em que as pessoas são cada vez mais capazes de se mover e também transgredir as fronteiras. A mobilidade é um novo parâmetro, que está desafiando a ordem tradicional, que é feito de estatismo, de estabilidade e da estabilidade territorial. Nós não estamos mais em um mundo territorial mas em um mundo de mobilidade. E o terceiro sintoma é a interdependência. Estamos dependendo um do outro. Isso significa que o fraco ainda está dependendo do forte. Mas isso significa algo muito mais importante que, com a globalização, agora, o forte é também está dependendo do fraco. Isso é muito novo. E é por isso que eu disse que o conceito de poder agora é desafiado e a potência está ficando impotente. Você pode ver na ordem mundial como um Estado pequeno, como colectividade muito fraca é capaz de controlar para fazer pressão, para conter os pontos fortes do mais forte. Que são os sintomas da globalização. Onde estão as raízes? Qual é a origem da globalização? Esta é uma pergunta muito difícil, é claro, mas talvez eu vá dizer três pontos, vou fazer três pontos. Em primeiro lugar, e provavelmente, certamente, a globalização está vindo da transformação da tecnologia. A globalização não foi politicamente inventada, politicamente criada, a globalização é o resultado de um novo contexto tecnológico. O que é este contexto tecnológico? Eu diria que é a revolução da comunicação. Estamos em um mundo em que é muito fácil para cada um se comunicar individualmente com todos os outros ao redor do mundo. Quando eu era jovem era tão difícil fazer uma ligação para os EUA quando estávamos instalados na Europa. Agora, nós podemos fazer isso com nossos telefones, com os nossos celulares, é tão fácil, e também tão difícil de controlar e tão difícil de limitar. Estamos em um mundo de comunicação generalizada. O que é um mundo de comunicação generalizada? É um mundo em que distância está ficando sem sentido, estamos em um mundo no qual a distância não está mais organizando o mundo, no qual a distância não é mais um recurso político para os governantes, para os príncipes, para os Governos. E é um mundo em que a distância não é mais uma desvantagem para os indivíduos, isso quer dizer, para todos nós, para sete bilhões de pessoas. Assim, a globalização é, antes de tudo um mundo de « desterritorialização ». O que significa isso? Isso significa que a definição tradicional da política que foi cunhado, por exemplo, por Max Weber não é mais relevante, isso quer dizer que há uma lacuna, uma lacuna conceitual entre a noção de política e a noção de território. Isso quer dizer que o desafio político real não é mais vindo do território, e da concorrência entre Estados-nação territoriais, mas é um mundo de relações transnacionais. Mas isso significa algo mais: que neste mundo que não é mais territorial, existe um risco real, que é um risco sociológico, que foi apontado em seu tempo por Emile Durkheim, quer dizer, um mundo de anomia. Este mundo de interdependência é um mundo que precisa ser integrado e com uma falta de integração há um forte risco de anomia. Anomia significa um risco de destruição da origem social deste novo mundo. Este risco de anomia provavelmente está explicando o que está ocorrendo agora em matéria de guerras e conflitos. E eu diria que a globalização é, como eu havia mencionado, "glocalização" ou seja, um mundo no qual o todo é importante, mas no qual, entretanto, o individual é importante, isso quer dizer, uma tensão permanente entre a micro-unidade, - a qual é constituída pelo indivíduo - e a totalidade que está encarnando essa nova ordem global.